quinta-feira, 15 de setembro de 2011

FILOSOFIA E POLÍTICA EDUCACIONAL


O sistema capitalista rege a educação como parte de um sistema ideológico e oprime qualquer objeção a outro sistema econômico, usando todos os meios para persuadir e impor suas verdades inquestionáveis como solução para nossos problemas que por ventura são gerados pelo mesmo, manipula a educação para sua manutenção econômica alimentando a alienação do pensamento e da apropriação de mão de obra alheia ao próprio beneficio. Desde os primórdios somos submetidos a uma escola instituída pelo estado, que gerencia uma vontade elitista e transforma a educação em mercadoria, num sistema onde não mais existe uma educação voltada para a construção do ser humano e sim de uma vontade mercadológica, onde se forma o sujeito polivalente, específico em superficialidades técnicas importantes no mundo pós-moderno, que troca uma utopia modernista pelo imediatismo, que cultua diretamente o corpo e suas vontades, perdendo seus valores, sua historia, se tornando um homem descomprometido com sua realidade, evidenciando o “eu” acima de tudo.

O papel do professor nesse contexto se complica perdendo seu valor, sendo redirecionado á um proletário, fruto de um sistema estrutural que molda toda e qualquer habilidade e conhecimento ao contexto atual, beneficiando os processos produtivos, fazendo com que o desenvolvimento dos indivíduos se baseie em utilidade para o mercado de trabalho, reproduzindo assim a lógica capitalista, transformando o sujeito sem provocar um conhecimento integral, mas o necessário para sua subsistência.

Para que haja uma mudança é necessário a transformação de todo um sistema, uma lógica mais humanista, um maior entendimento desse sistema imperialista que nos consome desde o centavo do salário ao sonho roubado, num mundo de ilusões mercadológicas, onde uma mercadoria se torna o sujeito e nós sujeitos em mercadorias. Uma vertente dessa mudança está em nossas mãos, professores, que entre quatro paredes podemos germinar a semente da sabedoria, da utopia, dos sonhos roubados, do entendimento ao conhecimento de novas ideologias, onde o conhecimento se faz necessário, são sim nessas quatro paredes que nos tornamos donos de nossos próprios narizes, onde podem ser desenvolvidos todos e não parte do potencial humano para uma liberdade não condicionada, uma democracia verdadeira, onde talvez o único, germine em silêncio.



R.I. / GESTÃO E DOCÊNCIA DO ENSINO SUPERIOR
JEAN CLEIVERSON OLIVEIRA BRANDÃO

Teorias sociológicas


A sociologia é agora uma área ampla e diversa que analisa todas as facetas da cultura, da estrutura social, do comportamento e interação e da mudança social.

As principais correntes teóricas e as possibilidades de análise científica dos problemas sociais

TEORIZAÇÃO FUNCIONAL


vê o universo social como um sistema de partes interligadas ( Turner e Maryanski, 1979)
As partes são analisadas em termos de suas conseqüências, ou funções para o sistema maior;
Uma parte é examinada com respeito a como se preenche uma necessidade ou requisito do todo
As teorias funcionalistas nos levam a ver o universo social, ou qualquer parte dele, como um todo sistêmico cujos elementos constitutivos funcionam em conjunto; ou seja, o funcionamento de cada elemento tem conseqüências sobre o funcionamento do todo
Problema: as teorias funcionalistas freqüentemente vêem as sociedades como demasiadamente bem integradas e organizadas.

TEORIAS DO CONFLITO


Expoentes: Karl Marx e Max Weber
vêem o mundo social segundo suas contradições
vêem os fatos sociais cheios de tensão e contradições ( Collins , 1975)
a desigualdade é a força que move o conflito
o conflito é a dinâmica central das relações humanas
as contradições se manifestam em formas distintas de conflito
o conflito é uma contingência básica da vida social

TEORIAS INTERACIONISTAS


os homens interagem emitindo símbolos – palavras, expressões faciais, corporais ou qualquer sinal que “signifique” algo para os outros e para si mesmos ( Goffman)
através de gestos simbólicos demonstramos nosso estado de espírito, intenções e sentido de ação; e contrariamente, pela leitura dos gestos dos outros, obtemos um sentido do que eles pensam e como eles de comportarão
a vida social está mediada por símbolos e gestos ;
usamos esses gestos para nos entendermos uns com os outros, para criarmos imagens de nós mesmos e das situações e construirmos uma idéia de situações futuras ou desejadas
para os interacionistas, a explicação da realidade social deve emanar da investigação meticulosa do micromundo dos indivíduos que mutuamente interpretam os gestos , que constróem as imagens de si próprios e definem a situações segundo certos princípios
as macro ou grandes estruturas da sociedade – o Estado, a economia, a estratificação e similares – são construídos e sustentados por microinterações
para os interacionistas seria impossível entender o mundo social sem investigar esses encontros no micronível

TEORIAS UTILITARISTAS


vêem os homens como racionais até o ponto em que eles têm objetivos e finalidades;
calculam os custos das várias alternativas para atingir esses objetivos e escolher a alternativa que maximize seus benefícios ( ou o que os economistas chamam de utilidade e minimizar seus custos
para os teóricos utilitaristas , todas as relações sociais são, em última análise, trocas entre atores que incluem custos a fim de obter benefícios uns dos outros , ou seja, que calculam a relação custo – benefício
a interação, a sociedade e a cultura são criadas e sustentadas porque elas oferecem bons resultados para indivíduos racionais.

Esses resultados raramente são monetários ; em geral , eles são “posses” menos tangíveis – sentimentos pessoais, afeição orgulho , estima , poder , controle e outras moedas “suaves” que estruturam a sociedade.

BIBLIOGRAFIA


BOTTOMORE T. B. . Introdução à sociologia. 5ª ed. Rio de Janeiro. Zahar; Brasília, INL, 1973 ( Biblioteca de Ciências Sociais)
GALLIANO. Introdução à sociologia. São Paulo: Harbra, 1986.
POSITIVO, apostila seg. série - ens. médio
SOUZA, S.M.R. Um outro olhar. São Paulo: FTD, 1995.
TURNER. Jonathan H. Sociologia: conceitos e aplicações. São Paulo: Makron Books, 1999.

"SIMULACRO:VERDADE OU MENTIRA PÓS-MODERNA ?"*


Holgonsi Soares

Professor Assistente do Depto. de Sociologia e Política- UFSM

*Publicado no jornal "A Razão em 29.03.96



"É sempre uma questão de provar o real através do imaginário, de provar a verdade pelo escândalo, de provar o trabalho por intermédio da greve, de provar o capital pela revolução" (BAUDRILLARD).

A autenticidade ou a origem: duvidosas; a reprodução do real é perfeita, e na maioria das vezes melhor - o conjunto é trabalhado com talento, "aparentemente" não deixa nada a desejar. Os detalhes? Isto interessa a alguém? Falta "consciência crítica" para perceber, pois somente ela faz uma leitura profunda e questionadora dos mesmos.K.MARX, sobre isto acertou no alvo: "a ideologia faz a consciência perder a autonomia". J.BAUDRILLARD fundamenta sob este aspecto da ideologia, o segundo estágio da representação, no qual a realidade é pervertida e mascarada. Desta forma, o consumo está garantido; a consciência direcionada paga pela falsificação, mas tem a certeza de uma aquisição autêntica.

Análise cartesiano-iluminista (verdade = autenticidade), dirão os pós-modernos de carteirinha ( e, levando a discussão exclusivamente para o campo das artes, o espaço aqui seria muito pequeno) , mas W.BENJAMIN não concorda com a crítica, e ao trabalhar a questão em "A Obra de Arte na Época da Reprodutibilidade Técnica", influenciará demais BAUDRILLARD (tido como o teórico do regime do simulacro), e F.JAMESON quando este analisa o capitalismo multinacional e fala sobre a "cultura sem profundidade". É sem profundidade não só, mas também porque nela não existe mais a distinção entre alta-cultura e cultura de massa. Consequência direta da reprodução, a qual ao simular o real, dá acesso ilimitado, através do falso. E o referente? MARX e ENGELS respondem (relembrados por M.BERMAN):"tudo que é sólido desmancha no ar". Junto com o referente diluiu-se também a linha que demarcava real/irreal; autêntico/falso; original/cópia; em suma: verdade/mentira.

Como estamos no quarto estágio da representação, a "hiper-realidade" a tudo falsifica na época pós-moderna.No que tange a cultura ,o simulacro coloca-a como uma esfera de completa autonomia, e nela são jogados os sujeitos descentrados, os quais devido ao acúmulo de imagens e simulações possuem apenas uma experiência a compartilhar, que é "a alucinação desestabilizada e estetizada da realidade"(BAUDRILLARD).

No domínio da política, a simulação é total. Os políticos abandonam por alguns instantes o preconceito, e a maquiagem esconde rugas e o cansaço das caravanas. Isto é o mínimo; o pior vai acontecer agora na tela, no tradicional comício, e nas visitas às favelas: muito "pó de arroz" no discurso que apresenta um programa perfeito; a definição ideológica, melhor ainda. Através de um estofo, especialmente colorido, Estado, classe e poder são coisas "autênticas". O público, não é cego nem surdo, mas as vezes fica mudo, e até aplaude a "originalidade" do espetáculo. É S.CONNOR quem chama atenção: "todas as respostas são pré-programadas, igualmente disponíveis e podem ser ativadas de imediato". Portanto, cuidado. No mundo dos simulacros, tudo é uma questão de provar a política pela "falsa política"; de provar o programa político e os discursos, pela "falsa promessa"...

Se hoje o conceito de arte está ampliado, é uma arte desvendar os simulacros.


“JEAN BAUDRILLARD: importância e contribuições pós-modernas” *


Holgonsi Soares Gonçalves Siqueira

* Publicado no Caderno MIX - Idéias - Jornal "Diário de Santa Maria - Edição de 31/03 - 01/04/2007



"Livre do real, você pode fazer algo mais real que o real: o hiper-real” (Jean Baudrillard).

Cultura imagética; espetáculo; sinal-valor; mercadoria-signo; lei do código; sedução; maioria silenciosa; excrescência, e muitos outros conceitos e expressões que conectados ao conceito-chave de “simulacro”, remetem-nos imediatamente a um nome: Jean Baudrillard. Juntamente com Jacques Derrida, Michel Foucault, Jean-François Lyotard, Cornelius Castoriadis e Edgar Morin, entre outros, destacou-se como representante da chamada “Nova Teoria Francesa”, caracterizando-se assim como um teórico interdisciplinar, e como tal, seus escritos sempre trouxeram a marca das interconexões entre economia e política, cultura e sociedade, colocando-o para além dos marcos científicos tradicionais.

Nos debates sobre a pós-modernidade, Baudrillard passou a ser reconhecido como o teórico do regime do “simulacro” através de sua obra intitulada “Simulacros e Simulação”, livro que se tornou famoso também fora do ambiente acadêmico quando foi exibido no filme Matrix, pois é dentro de uma edição deste livro que “Neo” guarda seus programas. Colaborou ainda o fato do ator Keanu Reeves dizer em suas entrevistas sobre o filme, que havia lido “Simulacros e Simulação”. Foi o que bastou para que o nome de Baudrillard com sua teoria sobre o simulacro fosse rapidamente associado ao filme. Ele não gostou desta associação, e na época ainda comentou que tanto os responsáveis pelo filme, como Reeves, “se leram meu livro, não entenderam nada”.

A interpretação distorcida do pensamento de Baudrillard feita em “Matrix”, é bastante comum entre os leitores universitários bem como entre muitos admiradores de seus trabalhos. Na entrevista sobre este filme, Baudrillard foi objetivo: "existem filmes melhores que este sobre o mesmo tema. "Truman Show", por exemplo, é mais sutil. Não deixa o real de um lado e o virtual de outro, como "Matrix". Esse é o problema." Essa é a confusão.

O difícil conceito de simulacro tendo por base o “quarto estágio (o terminal) do signo”, nunca esteve relacionado com uma oposição entre simulação e realidade, entre o real e o signo, em outras palavras, nunca quis dizer irrealidade. Os simulacros são experiências, formas, códigos, digitalidades e objetos sem referência que se apresentam mais reais do que a própria realidade, ou seja, são “hiper-reais”. Como ele escreveu: “A simulação já não é a simulação de um território, de um ser referencial, de uma substância. É a geração pelos modelos de um real sem origem nem realidade: hiper-real”. Assim, Baudrillard entendia nossa condição como a de uma ordem social na qual os simulacros e os sinais estão, de forma crescente, constituindo o mundo contemporâneo, de tal forma que qualquer distinção entre “real” e “irreal” torna-se impossível.

Em recente entrevista por ocasião da morte de Baudrillard, o importante pensador da pós-modernidade e crítico da globalização, Zygmunt Bauman, destacou a importância do conceito de simulacro entre tantos outros trabalhados por Baudrillard. Concordo com ele. Na verdade é um conceito central que configura-se como uma axiomática geral coordenadora do pensamento baudrillardiano sobre a sociedade-cultura contemporânea. Isto se evidencia no momento em que, para Baudrillard, a reprodução do real acontece em qualquer esfera do sistema. Tudo se tornou um simulacro: o mundo do trabalho, o capital, a etnologia, o teatro, a arte, a pedagogia, a psiquiatria, a política, o sexo, etc.. Como ele concluiu em “simulacros e simulações”: “tudo se metamorfoseia no seu termo inverso para sobreviver na sua forma expurgada.Todos os poderes, todas as instituições falam de si próprios pela negativa, para tentar, por simulação de morte, escapar à sua agonia real”.

Portanto, vivemos em uma nova fase da história, em um novo mundo organizado em torno de simulacros e simulações, no qual somos alcançados, ininterruptamente pelo jogo de simulacros, o que transforma radicalmente nossas experiências de vida, destrói os sentidos e as significações, e esvazia completamente o conceito de realidade. Sob este aspecto, Baudrillard destaca como força constitutiva por excelência do jogo de simulacros, os meios de comunicação. Ele enfatiza que “temos que pensar nos medias como se fossem, na órbita externa, uma espécie de código genético que comanda a mutação do real em hiper-real”.

Em seu livro “A transparência do mal”, reafirmou que as novas tecnologias de informação, comunicação e entretenimento, confrontam o indivíduo cotidianamente com a hiper-realidade, o que acaba gerando mais angústias, dúvidas e medos. Neste mundo hiper-real das profundas revoluções tecnológicas, Baudrillard nos deixou complexas interrogações, como por exemplo: “sou um homem ou uma máquina?”; “sou um homem ou um clone virtual?”; “como podemos ser humanos?”. Suas respostas se encaminham no sentido da constituição da imensa rede de simulacros.

Em sua perspectiva, o ciberespaçotempo constitui-se como um terreno cibernético que além de minar a distância entre o metafórico e o real, subordina totalmente os indivíduos. Sob seu ponto de vista, não estamos preparados para o grau de desenvolvimento a que chegou o sistema tecnocientífico, e ao buscarmos mais informação e comunicação acabamos agravando nossa relação com a incerteza. Foi categórico: “a revolução contemporânea é a da incerteza”.

Nas análises sobre os meios de comunicação, Baudrillard sempre deu destaque especial à televisão, a qual, segundo ele, através da produção exagerada de imagens, signos e mensagens, originou o “mundo simulacional” (ou, uma sucessão infinita de simulações que neutralizam umas às outras), que está intimamente relacionado com os significantes desconexos e com uma realidade totalmente estetizada no qual há uma perda da noção de realidade concreta. Neste mundo, as técnicas para produzir ilusões são sofisticadas (exemplo, a realidade virtual), através delas os indivíduos mudam de código muito rapidamente, anulando toda e qualquer relação com o passado.

O poder de dominação, de fascínio, de hipnotização da televisão sobre os indivíduos, é expresso em seu dizer irônico que “a imagem do homem sentado, contemplando num dia de greve sua tela de televisão vazia, constituirá no futuro uma das mais belas imagens da antropologia de nosso século”. Entendia os meios de comunicação de massa como veículos do fascínio bruto do ato terrorista, ou seja, na medida em que caminham para o fascínio são eles próprios terroristas, são manipuladores em todos os sentidos (uma vez que carregam consigo o sentido e o contra-sentido). Afirmou sem impossível encontrar um bom uso dos media, em suas palavras: “ele não existe”.

A multiplicação da quantidade de sinais e espetáculos pelos meios de comunicação, produz uma proliferação do que ele chamou de “sinal-valor” (uma “economia política do signo” – expressão que nomeia outra importante obra de Baudrillard), ou seja, a marca, o prestígio, o luxo e a sensação de poder tornam-se uma parte crescentemente importante do artigo de consumo e não somente seu “valor de uso” ou “de troca” (como na teoria Marxista). Chegamos assim ao que considero como o enfoque principal do pensamento de Baudrillard. A inter-relação de seus conceitos, reflexões e obras em torno, não somente da descrição (como querem muitos), mas também de uma crítica sem concessões ao processo de consumo contemporâneo.

Na obra “A sociedade de consumo”, destaca que a característica de nossa sociedade-cultura é, antes de tudo, a de ser uma sociedade-cultura de consumo (idéia retomada em todos os seus escritos), que reduz o indivíduo à condição de consumidor como conseqüência da automatização do sistema de produção. Defendia que era impossível negar que nos dias atuais existe uma dinâmica de consumo diferente, que entre outras coisas pode ser representada através de seu slogan de que “já não consumimos coisas, mas somente signos”. Na “época do signo”, produz-se, simultaneamente, a mercadoria como signo e o signo como mercadoria.

Para ele, a transformação da mercadoria em signo foi o destino do capitalismo no século XX, e o objetivo desta sociedade-cultura é apresentar, cada vez mais, um grande número de signos novos, imagens e experiências para que o indivíduo deseje e consuma. Nesta direção, condenou o processo de estetização de todas as coisas que ocorre na atual fase do capitalismo, pois como dizia, “até o mais marginal, o mais banal, o mais obscuro estetiza-se”. Deixou transparecer que entendia a publicidade como a arte oficial do capitalismo, uma vez que todas as formas atuais de atividade voltam-se e esgotam-se nela. Por isto a forma publicitária impôs-se e desenvolveu-se à custa de todas as outras linguagens.

Baudrillard também salientou que os códigos e modelos de marketing e lógica semelhantes geraram uma produção infinita e instável de estilos de vida, dissolvendo-se assim o objeto antigamente conhecido como sociedade; as estruturas sociais de classe, gênero e etnia são reduzidas a imagens do social e vividas através do meio imagístico do estilo de vida. A estetização que fascina, manipula desejos e gostos e impulsiona na direção do consumo, apresenta a falsa idéia de que nas práticas consumistas está a resolução dos problemas da vida, bem como a transformação da insignificância do mundo. Observou que os “meios realizadores” estão sempre em coisas diferentes às expectativas geradas, e, ainda segundo ele, pode ser até que atendam satisfações mais superficiais, mas jamais aspectos profundos da vida humana como geralmente propõem.

Sob este aspecto Baudrillard radicalizou ao desenvolver a idéia que os indivíduos, imersos nas práticas e relações de consumo, não combatem nem condenam, mas exploram ao máximo as tendências figuradas, as sensações imediatas, as experiências ardentes e isoladas, as intensidades da sociedade-cultura de consumo e, sem procurar significados coerentes, obtém prazer estético nestas intensidades superficiais.

Tendo por base as relações político-econômicas e socioculturais contemporâneas, constato e concordo com as idéias de Baudrillard sobre uma sociedade-cultura de simulacros e simulações; sobre o privilégio dado pelo capitalismo pós-moderno à produção de signos e imagens ao invés das próprias mercadorias; sobre a desestabilização da noção original das coisas e das ilusões culturais empreendidas pela publicidade, pela mídia e pelas técnicas de exposição dos produtos; também concordo que o consumismo está moldando as relações entre os indivíduos na pós-modernidade.

O grande problema para mim com o “teórico do simulacro” é que, seus argumentos para tornar preponderante a sua hipótese do objeto-signo, giram em torno da dominação total e negatividades das novas tecnologias e da televisão, e os indivíduos são reduzidos à condição de consumidores passivos. A partir destas idéias, Baudrillard faz uma leitura do social em “À sombra das maiorias silenciosas”, que pode ser entendida como pessimista e determinista.

Ao caracterizar o social como um amontoado confuso, diz que este social não é nada, apenas “massas”, para então concluir que as “as massas absorvem toda a eletricidade do social e do político e as neutralizam, sem retorno. Não são boas condutoras do político, nem boas condutoras do social, nem boas condutoras no sentido geral...Elas são a inércia, a força da inércia, a força do neutro”. Enfim, não passam de “buracos negros - uma de suas metáforas preferidas para caracterizar as “massas” – em que o social se precipita”. Sobre esta leitura, Fredric Jameson disse que a compreensão de Baudrillard com relação às seduções do mercado era “dramática e paranóico-crítica”.

Faltou a este grande pensador, admitir e trabalhar as possibilidades de uma semiótica crítica que desvela as dimensões ocultas da hiper-realidade permitindo uma desconstrução do regime dos signos.

Com suas leituras e re-leituras do capitalismo de consumo, Baudrillard passou a ocupar um lugar de destaque entre os teóricos do contemporâneo. Sua análise sobre a sociedade-cultura atual, ancorada na relação simulacro-estetização da realidade-consumismo, influenciou os trabalhos de marxistas pós-modernos-críticos como Fredric Jameson e David Harvey, não obstante as diferenças teóricas e políticas. Porém não se engane o leitor, Baudrillard não era pós-moderno, muito menos “um dos pais da pós-modernidade” como muitos diziam e como foi difundido pelos recentemente pelos meios de comunicação. Repudiava a pós-modernidade como algo vazio, totalmente sem sentido, pois para ele era um campo aberto para qualquer coisa.

Paradoxalmente, suas idéias, conceitos e teorias (construídas desde os anos 60, e expressas em cerca de 50 obras), juntamente com as de Jean-François Lyotard e Fredric Jameson, tornaram-se indispensáveis nas análises, debates e entendimentos sobre a teoria e condição pós-modernas. Na verdade era conhecido como um pensador que rejeitava consensos e rótulos, não aceitando também que classificassem sua crítica de pessimista.

Seu estilo intelectual foi marcado pela ironia, e defendia que o emprego da ironia, do inverso, da falha, da reversibilidade, era a única verdadeira função intelectual (estilo pós-moderno?). Não agradou os conservadores colegas, os quais procuravam-lhe desqualificar com os mesmos adjetivos com que ele rejeitava a pós-modernidade. O certo é que seu arcabouço teórico desconstruiu velhas categorias, velhos conceitos e suas distinções (afirmando sobre a impossibilidade de sustentação dos mesmos), e com seu pensamento interdisciplinar ignorou fronteiras e hierarquias que ainda insistem em se manter no contexto universitário e educacional.

Baudrillard morreu no dia 06 deste mês. Também era fotógrafo, e justificava sua forma de escrever fragmentada como sendo pequenos retratos do mundo. Para quem não consegue “ler” suas fotografias, ou não entende seus “enquadramentos”, ou assim como eu, não curte suas “cores” demasiadamente fortes, atente para o seu princípio: “já que o mundo se encaminha para um delirante estado de coisas, devemos nos encaminhar para um ponto de vista delirante”.


Slavoj Zizek, Internet e possibilidades de emancipação


Autor: Demétrio Cherobini

Revisão do texto: Prof. Dr. Holgonsi Soares Gonçalves Siqueira

* texto escrito e apresentado na DCG: Novas Tecnologias e Cibercultura - Julho/2007





É relativamente fácil constatar que a World Wide Web afeta, hoje, a vida de todos. Um exemplo banal: nos últimos dias de 1999, as pessoas em todo o mundo (ocidental) quase entraram em paranóia em razão de uma “não-entidade” denominada "bug do milênio", que poderia ter desencadeado efeitos catastróficos, tanto em nível de economia internacional, quanto em relação à vida cotidiana em suas facetas mais comezinhas – alterar o controle do suprimento de água, por exemplo. Nada aconteceu, de fato, naquela ocasião. Mas esse “bug do milênio” serviu para confrontar-nos com o fato de que nossa vida "real" é regulada em larga escala pela ordem virtual de conhecimento objetivado a que nós chamamos pelo nome familiar de Internet, e para mostrar-nos, por conseguinte, como esta rede adquiriu, nos últimos anos, uma importância social e política muito grande.

Mais difícil que reconhecer isso é encontrar um posicionamento crítico sobre o assunto que evite, ou mesmo transcenda, as soluções extremas – e, por que não dizer?, fáceis - dos tecnófilos e tecnófobos de plantão. Nesse sentido, aqueles que por empatia se colocam ao lado dos que buscam a emancipação das relações sociais alienadas e alienantes de nossa sociedade atual podem encontrar uma proposta coerente nas obras do sociólogo, filósofo e psicanalista esloveno Slavoj Zizek.

            O tema das Novas Tecnologias de Informação e Comunicação, em geral, não é central na obra de Zizek. Muito menos, o tema específico da Internet. Em verdade, todas essas questões são tratadas de forma marginal em seus textos, que versam sobre psicanálise, filosofia, sociedade, política e outros assuntos. Há que se compreender, portanto, algo dessas teorizações, antes de se apreender como o pensador esloveno concebe as possibilidades emancipatórias abertas pelo advento da Internet.

            A teoria social e política de Zizek está imbuída do objetivo de “reencontrar este momento único no qual um pensamento ainda se transpõe em uma organização coletiva, mas ainda não se fixa em uma instituição” (Zizek, apud Safatle, 2003, 181). Esse momento em que o pensamento e a atividade coletiva se encontram é o da ação política soberana. Esta, em verdade, é concebida como o ato que instaura a partir de si mesmo sua própria legalidade ao “suspender a Lei”, abrindo assim a possibilidade de emancipação. É imprescindível para a teoria de Zizek, nesse contexto, a categoria filosófica da negatividade.

            Baseado fundamentalmente em Lacan e Hegel, Zizek desenvolve uma teoria do sujeito repleta de conseqüência políticas e apta a guiar práxis sociais de cunho emancipador. Segundo Lacan, no inconsciente não há nenhuma positividade primeira. Ele não é “uma caixa de Pandora de onde sairiam pulsões não-socializadas e conteúdos recalcados. Ele é, antes, aquilo que, no sujeito, se define por resistir continuamente aos processos de auto-reflexão. Ele [o inconsciente] é lugar do que só pode aparecer como irredutivelmente negativo [grifo nosso] no sujeito. De onde se segue a importância do tema do descentramento do sujeito do inconsciente (e não seu abandono). Descentramento que indica a posição de não-identidade que um conceito não substancial de sujeito sempre sustentará diante dos espaços de representação, de auto-apreensão reflexiva e de identificação social” (cf. Safatle, 2003, 182).

            O que significa isto, exatamente? Para a psicanálise clássica, a cura da neurose se realizava quando os conteúdos do inconsciente eram trazidos ao campo da consciência, para aí, então, serem superados. Contudo, se o inconsciente não é uma caixa repleta de conteúdos, mas a própria resistência em se tornar consciente, ou seja, a própria negatividade, é esta negatividade mesma, “vazia de conteúdo”, que tem de ser transposta “para fora”, que tem de ser atualizada. Lacan, portanto, realiza uma articulação entre sujeito e negatividade que são caras a Zizek em seu projeto de fundamentação de um projeto de emancipação do sujeito. O que o filósofo esloveno faz é tirar uma conclusão política dessa teoria lacaniana do sujeito. Em outras palavras, Zizek politiza o sujeito lacaniano. Nas suas palavras: “O sujeito é inerentemente político no sentido que ‘sujeito’, para mim, denota uma partícula de liberdade, já que ele não fundamenta suas raízes em uma substância firme qualquer, mas que se encontra em uma situação aberta” (Zizek, apud Safatle, 2003, 183).

            Para Zizek, “a experiência da negatividade do sujeito indica, entre outras coisas, como o desejo não se satisfaz na assunção de identidades ligadas a particularismos sexuais. O sujeito é aquilo que nunca é totalmente idêntico a seus papéis e identificações sociais [grifo nosso], já que seu desejo insiste enquanto expressão da inadequação radical entre o sexual e as representações do gozo” (Safatle, 2203, 183). Ser sujeito, portanto, não é assumir uma identidade eventualmente recalcada por pressões sociais e/ou psicológicas. É, ao contrário, o próprio ato de negação de uma identidade que nos é imposta. Daí, a renúncia de Zizek em compactuar com qualquer política de identidade, pois estas, no seu entender, acabam fazendo o jogo da ideologia e, por conseguinte, do Capital. Pois o Capital acomoda-se muito bem às políticas de identidade e à multiplicidade de identidades. É por isso que, segundo Zizek, toda política da identidade faz o jogo do Capital.

            Explicamos melhor: as teorias críticas clássicas preconizavam a crítica da ideologia como condição para a emancipação. O sujeito atua no capitalismo, se aliena, e forma uma determinada representação sobre si – representação que em si mesma é falsa – e que impede que ele se dê conta daquilo que ele “realmente é”, de sua “identidade”. Por exemplo: o trabalhador alienado, explorado, oprimido. Havia uma identidade subterrânea soterrada que precisava ser resgatada, a fim de se promover o ato transformador.

            Zizek não quer resgatar nenhuma identidade. Ao contrário, ele desconfia da assunção de identidades. O que ele visa é, justamente, negar as identidades que nos são atribuídas pelo Capital. Assim, a única universalização pretendida não é a universalização da identidade, mas a universalização da negação. É por isso que “a negação pode nos abrir uma via para a fundação de um universal não-substancial caro a um pensamento crítico de esquerda que não queira entregar o discurso do universalismo aos arautos do capitalismo global. Contra uma política das identidades, uma política da universalidade da inadequação” (cf. Safatle, 2003, 184). O ato político por excelência é justamente a suspensão desse universal simbólico que nos é dado pelo Capital, e que se expressa fundamentalmente no ordenamento jurídico em vigência. É por esse motivo que Zizek afirma que “a verdadeira escolha livre é aquela na qual eu não escolho apenas entre duas ou mais opções no interior de um conjunto prévio de coordenadas, mas escolho mudar o próprio conjunto de coordenadas” (Zizek, apud Safatle, idem, 185). A verdadeira escolha livre, o ato político par excellence, é a suspensão de uma determinada ordem jurídica.

            Mas e onde a Internet entra nisso tudo? Existe algum potencial inerente à Internet, mediante o qual as pessoas podem exercer a negatividade e assim transformar o existente, superando finalmente a sua condição de miséria e opressão? Em Às portas da revolução (São Paulo: Boitempo, 2005), Zizek se pergunta: “Não haveria também na World Wide Web um potencial explosivo para o próprio capitalismo?” E a sua conclusão é de que sim, existe. Seu raciocínio, aqui, está mais centrado na dimensão econômica do problema: a Internet, com sua possibilidade de livre compartilhamento dos mais diversos materiais, promove uma crise da propriedade privada. Nesse contexto, “o antagonismo-chave das chamadas novas indústrias (digitais) é, portanto, como preservar a forma da propriedade (privada), a única maneira pela qual a lógica do lucro pode prevalecer.” (Zizek, 2005, 322). Promovendo a crise da propriedade privada, as condições para o lucro ficam inviabilizadas, fato que faz com que sejam abalados os próprios fundamentos do sistema capitalista. (Também não deixa de estar contemplado, aqui, o elemento cultural do problema, visto que aquilo que se compartilha via rede são os mais variados conteúdos relacionados com o conhecimento, a arte, o lazer. As pessoas passam a dispor de materiais que não poderiam ser adquiridos de outra forma, a não ser pelo intermédio da Internet. Isso também lhes confere um ganho que repercute na dinâmica da sua personalidade e nas suas ações).

            Em artigo de 29 de outubro de 2000, no jornal Folha de São Paulo, comentando sobre a ameaça de que a influência da Internet sobre nossas vidas cotidianas torne possível “um controle à maneira do ‘Big Brother’, diante do qual a velha supervisão da polícia secreta comunista [seria] uma primitiva brincadeira de criança”, Zizek insiste em que, para se evitar isso, não se deve repudiar totalmente a tecnologia, como se ela fosse um mal em si. “Aqui, mais do que nunca, deve-se insistir que a melhor reação [...] não é a retirada para alguma ilha de privacidade, mas a socialização mais vigorosa do espaço cibernético [grifo nosso]” (Zizek, Paranóias Virtuais, Folha de São Paulo, 29/10/2000). Zizek está, agora, tratando da dimensão política que envolve o problema das Novas Tecnologias: o poder de controlar a vida das pessoas. Sua conclusão, então, é de que somente a ampla socialização da rede impediria o controle sobre a vida das pessoas e permitiria que elas mesmas comandassem os processos que regulam as suas vidas: economia, política, cultura, etc.

            Avançando ainda mais na reflexão, pode-se, agora, retornar ao ponto inicial da reflexão a fim de se compreender a principal potencialidade inerente à Internet, com vistas a contribuir para a solução do problema da emancipação social, política, econômica e cultural: com base nas teorizações de Zizek, é possível afirmar que as pessoas podem, por intermédio da rede, compartilhar sua experiência da inadequação no mundo capitalista. Surge, com a rede, a possibilidade dos indivíduos se aproximarem, se comunicarem, trocarem idéias e elaborarem estratégias de questionamento prático sobre o ordenamento político e jurídico que rege suas vidas na realidade “real”. Um exemplo disso foram as manifestações estudantis na França, ao logo de boa parte do ano passado. Os manifestantes fizeram um amplo uso da Internet para sua comunicação e organização das atividades. Um outro exemplo de compartilhamento da experiência de inadequação são as mídias alternativas, como o centro de mídia independente – popularmente conhecido na rede, em língua portuguesa, como CMI, cujo lema é “Odeia a mídia? Seja a mídia!” – onde as pessoas podem não só receber informações que não passam na grande mídia, mas podem elas mesmas relatar os fatos que vivenciam e que lhes causam perplexidade. E pode-se pensar também que, ao mesmo tempo em que é realizada a crítica das condições existentes, a rede abre inúmeras possibilidades para a consulta e tomada de decisão sobre os assuntos políticos, econômicos e culturais concernentes à vida da coletividade.

            Contudo, para que a Internet tenha atualizado esse potencial emancipatório, a condição imprescindível é que as pessoas - o máximo de pessoas possível - possuam livre acesso a ela. Trata-se, então, de liberar o acesso à Internet. Numa palavra, socializar a rede. É por isso que, enfrentando a questão a partir de um ponto de vista que visa a emancipação social e política, Zizek pode dizer: “Hoje fico tentado a parafrasear o conhecido slogan de Lênin ‘socialismo = eletrificação + poder dos sovietes’: ‘socialismo = livre acesso à Internet + poder dos soviets’. (O segundo elemento é crucial, uma vez que especifica a única organização social na qual a Internet é capaz de concretizar seu potencial libertador; sem ele, teríamos uma nova versão de tosco determinismo tecnológico)” (idem, 321-2).

            Compreende-se, então, que a Internet abre um amplo leque de possibilidades para que as pessoas tomem as rédeas de suas próprias vidas. Para que governem elas mesmas as suas vidas, e não deleguem a outrem esse poder. A Internet guarda um grande potencial crítico, “explosivo”, político, na medida em que se converte em um “lugar” de onde se pode criticar a propriedade privada, exercer o controle sobre os mecanismos que regem a vida em sociedade, denunciar a ideologia, compartilhar a experiência da inadequação e exercer o ato de negação do ordenamento simbólico que nos é atribuído pelo Capital. Concordamos com a proposta de Zizek que afirma que só um discurso negativo pode escapar da ideologia e promover a emancipação, e que a Internet é veículo imprescindível para esse objetivo.





BIBLIOGRAFIA

SAFATLE, Vladimir. A política do Real de Slavoj Zizek. Posfácio de ZIZEK, Slavoj, Bem-vindo ao deserto do Real. Boitempo, São Paulo, 2003. Coleção Estádio de Sítio.

ZIZEK, Slavoj. Paranóias Virtuais. Folha de São Paulo, 29/10/2000.

ZIZEK, Slavoj, Bem-vindo ao deserto do Real. Boitempo, São Paulo, 2003. Coleção Estádio de Sítio.

ZIZEK, Slavoj. Às portas da revolução. Escritos de Lênin de 1917. São Paulo: Boitempo, 2005


INTELECTUAIS E POLÍTICA


Holgonsi Soares Gonçalves Siqueira

* Publicado no Jornal “A Razão” em 02.09.2005



Muitas análises já foram feitas sobre a natureza e os papéis dos intelectuais na sociedade. Vários pensadores, a partir das condições sociais, políticas, econômicas e culturais de seu contexto histórico, buscaram elaborar um conceito de intelectual, bem como suas relações com o Estado, as classes sociais e os partidos políticos. Foucault, Castoriadis e Bordieu deixaram bastante claro que a principal função dos intelectuais deveria ser a reflexão crítica e o questionamento dos mecanismos de dominação que atravessam a sociedade. Porém no exercício desta função existem “limites sociológicos” (P.Bordieu) que devem ser considerados, e assim os intelectuais não são portadores de um conhecimento total, da verdade absoluta sobre o mundo e a sociedade. Castoriadis nunca apreciou e também não aceitava para ele a denominação de intelectual; deixando as questões biopsicológicas de lado, ele achava que o termo implicava uma “arrogância miserável e defensiva”.

Creio ser importante observar nesta reflexão que existem vários tipos de intelectuais, e querer enquadrar a todos em uma moldura/categoria é tarefa impossível. Muitos dos que se pretendiam “críticos”, sempre apresentaram como credenciais para isto a militância em partidos políticos. Através desta militância foram ativos em regimes revolucionários (de esquerda e de direita), achavam-se os dirigentes da mudança social, donos de verdades que deveriam ser impostas ao erro, ou fonte de liberdade para os oprimidos, arrogando-se o direito de ser a consciência destes. Na modernidade, onde a rua era o espaço público por excelência, o intelectual crítico era aquele que “conduzia” as massas à participação, e lutava na defesa dos grandes projetos iluministas, desprezando as iniciativas particularistas.

Concordo com Foucault, quando ele diz que hoje as massas não necessitam mais dos intelectuais para saber, embora um sistema de poder do qual fazem parte os próprios intelectuais ainda os coloquem como agentes da consciência. Mas, na política pós-moderna, os que agem e lutam se deixaram de ser representados. Mesmo quando os novos atores aliam-se aos intelectuais não se subordinam ao poder da ciência marxista, não permitem que projetos mais ambiciosos de revolução tomem o lugar das lutas locais, mas têm visão de alternativas políticas e organizativas. Neste caso a aliança significa uma “relação entre ingredientes democráticos necessários” (S.Aronowitz).

Além da força política que vem hoje da formação de microgrupos de poder, e que se reflete positivamente no exercício da autonomia, destaco também naquele redimensionamento da figura do intelectual, a importância do ciberespaçotempo, o qual aumenta o potencial da “inteligência coletiva” (P.Lévy), e desta forma inaugura novos modelos, novos discursos e novas condições de trabalho colaborativo entre os indivíduos.

Penso que o verdadeiro sentido de intelectual (crítico) está associado a sua luta política, não para defender um partido e/ou seus representantes, mas sim para defender o respeito às diferenças, à pluralidade e ao diálogo democrático. Está associado a sua aliança com as micropolíticas, para fortalecimento das lutas contra o que é/está “instituído”.

Um intelectual crítico, “orgânico” ao que é progressista, questiona, denuncia e luta contra a “burocratização contínua e continuamente renovada de todas as organizações sindicais, políticas e outras” (C.Castoriadis), que além de favorecer a corrupção, torna-se um entrave para a plena realização do projeto de autonomia dos indivíduos (e dos intelectuais) no espaço da política tradicional. Ao usar o termo intelectual, que seja para aquele que aceita que cada homem, cada mulher, vivendo em sociedade, são agentes políticos em potencial, e não uma “massa muda”; que seja para aquele que não se conforma com qualquer tipo de miséria humana; que seja para aquele cujos pensamentos e ações são marcados pela liberdade e trazem esta mesma marca.

O intelectual critica a realidade, mas sem reverências ao poder. Já os “falsos intelectuais” criticam as realidades que não se enquadram nas rígidas molduras delineadas por certas ideologias políticas; negando sua autonomia, estão a serviço da política partidária, cumprem cegamente as ordens de um partido, e frente aos desmandos do mesmo, sempre optam pelo silêncio. Sua função na burocracia partidária é apenas uma: reproduzir a “teoria” para manter viva a ideologia defendida pelo partido, pois quem detêm o controle “é um novo gênero de homem, o apparatchik político, que nunca foi um intelectual, mas um semi-analfabeto” (C.Castoriadis).

Levando-se em consideração as transformações pós-modernas que emergiram em todas as áreas da vida social e humana, com reflexos na formação de indivíduos mais ativos, vejo a necessidade de se transformar o entendimento ingênuo de engajamento/militância política dos intelectuais (bem como dos indivíduos em geral), em entendimento crítico que resulte em mudanças nas estruturas de nossa sociedade. Entendo que esse entendimento crítico pode ser muito bem traduzido mais uma vez nas palavras de C.Castoriadis quando ele afirma que “a participação do intelectual no “movimento histórico enquanto criação...não significa nem inscrever-se em um partido para seguir-lhe docilmente as ordens, nem simplesmente assinar petições. Mas, sim, agir enquanto cidadão.