Holgonsi
Soares Gonçalves Siqueira
* Publicado no Jornal “A Razão” em 02.09.2005
Muitas
análises já foram feitas sobre a natureza e os papéis dos intelectuais na
sociedade. Vários pensadores, a partir das condições sociais, políticas,
econômicas e culturais de seu contexto histórico, buscaram elaborar um conceito
de intelectual, bem como suas relações com o Estado, as classes sociais e os
partidos políticos. Foucault, Castoriadis e Bordieu deixaram bastante claro que
a principal função dos intelectuais deveria ser a reflexão crítica e o
questionamento dos mecanismos de dominação que atravessam a sociedade. Porém no
exercício desta função existem “limites sociológicos” (P.Bordieu) que devem ser
considerados, e assim os intelectuais não são portadores de um conhecimento
total, da verdade absoluta sobre o mundo e a sociedade. Castoriadis nunca
apreciou e também não aceitava para ele a denominação de intelectual; deixando
as questões biopsicológicas de lado, ele achava que o termo implicava uma “arrogância
miserável e defensiva”.
Creio ser
importante observar nesta reflexão que existem vários tipos de intelectuais, e
querer enquadrar a todos em uma moldura/categoria é tarefa impossível. Muitos
dos que se pretendiam “críticos”, sempre apresentaram como credenciais para
isto a militância em partidos políticos. Através desta militância foram ativos
em regimes revolucionários (de esquerda e de direita), achavam-se os dirigentes
da mudança social, donos de verdades que deveriam ser impostas ao erro, ou
fonte de liberdade para os oprimidos, arrogando-se o direito de ser a
consciência destes. Na modernidade, onde a rua era o espaço público por
excelência, o intelectual crítico era aquele que “conduzia” as massas à
participação, e lutava na defesa dos grandes projetos iluministas, desprezando
as iniciativas particularistas.
Concordo
com Foucault, quando ele diz que hoje as massas não necessitam mais dos
intelectuais para saber, embora um sistema de poder do qual fazem parte os
próprios intelectuais ainda os coloquem como agentes da consciência. Mas, na política pós-moderna, os que agem e lutam se deixaram
de ser representados. Mesmo quando os novos atores aliam-se aos intelectuais
não se subordinam ao poder da ciência marxista, não permitem que projetos mais
ambiciosos de revolução tomem o lugar das lutas locais, mas têm visão de
alternativas políticas e organizativas. Neste caso a aliança significa uma “relação
entre ingredientes democráticos necessários” (S.Aronowitz).
Além da
força política que vem hoje da formação de microgrupos de poder, e que se
reflete positivamente no exercício da autonomia, destaco também naquele
redimensionamento da figura do intelectual, a importância do ciberespaçotempo, o qual aumenta o potencial da
“inteligência coletiva” (P.Lévy), e desta forma inaugura novos modelos, novos
discursos e novas condições de trabalho colaborativo entre os indivíduos.
Penso que
o verdadeiro sentido de intelectual (crítico) está associado a sua luta
política, não para defender um partido e/ou seus representantes, mas sim para
defender o respeito às
diferenças, à pluralidade e ao diálogo democrático. Está associado a sua aliança
com as micropolíticas, para fortalecimento das lutas
contra o que é/está “instituído”.
Um
intelectual crítico, “orgânico” ao que é progressista, questiona, denuncia e
luta contra a “burocratização contínua e continuamente renovada de todas as
organizações sindicais, políticas e outras” (C.Castoriadis), que além de
favorecer a corrupção, torna-se um entrave para a plena realização do projeto
de autonomia dos indivíduos (e dos intelectuais) no espaço da política
tradicional. Ao usar o termo intelectual, que seja para aquele que aceita que
cada homem, cada mulher, vivendo em sociedade, são agentes políticos em
potencial, e não uma “massa muda”; que seja para aquele que não se conforma com
qualquer tipo de miséria humana; que seja para aquele cujos pensamentos e ações
são marcados pela liberdade e trazem esta mesma marca.
O
intelectual critica a realidade, mas sem reverências ao poder. Já os “falsos
intelectuais” criticam as realidades que não se enquadram nas rígidas molduras
delineadas por certas ideologias políticas; negando sua autonomia, estão a
serviço da política
partidária, cumprem
cegamente as ordens de um partido, e frente aos desmandos do mesmo, sempre
optam pelo silêncio. Sua função na burocracia partidária é apenas uma:
reproduzir a “teoria” para manter viva a ideologia defendida pelo partido, pois
quem detêm o controle “é um novo gênero de homem, o apparatchik político,
que nunca foi um intelectual, mas um semi-analfabeto” (C.Castoriadis).
Levando-se
em consideração as transformações pós-modernas que emergiram em todas as áreas
da vida social e humana, com reflexos na formação de indivíduos mais ativos,
vejo a necessidade de se transformar o entendimento ingênuo de
engajamento/militância política dos intelectuais (bem como dos indivíduos em
geral), em entendimento crítico que resulte em mudanças nas estruturas de nossa sociedade. Entendo que esse entendimento
crítico pode ser muito bem traduzido mais uma vez nas palavras de C.Castoriadis
quando ele afirma que “a participação do intelectual no “movimento histórico
enquanto criação...não significa nem inscrever-se em um partido para seguir-lhe
docilmente as ordens, nem simplesmente assinar petições. Mas, sim, agir
enquanto cidadão”.
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