Entre os autores
preocupados em definir a indústria cultural ou cultura de massa e compreender o
seu papel na sociedade atual, existem posições diferentes e até opostas. De
maneira breve, examinemos algumas visões sobre a questão. O termo indústria cultural foi criado
por Theodor Adorno (1903-1969) e Max Horkheimer (1895-1973), membros de um
grupo de filósofos conhecido como Escola de Frankfurt. Ao fazerem a análise da
atuação dos meios de comunicação de massa (que a partir de agora serão chamados
pela sigla mdcm), esses autores concluíram que eles funcionavam como uma
verdadeira indústria de produtos culturais, visando exclusivamente ao consumo.
Conforme Adorno, a indústria cultural vende mercadorias, mas, mais do que isso,
vende imagens do mundo e faz propaganda deste mundo tal qual ele é e para que
ele assim permaneça.
Segundo os dois autores, a
indústria cultural pretenderia integrar os consumidores das mercadorias
culturais, agindo como uma ponte nociva entre a cultura erudita e a popular.
Nociva porque retiraria a seriedade da primeira e a autenticidade da segunda.
Adorno e Horkheimer vêem a indústria cultural como qualquer indústria,
organizada em função de um público-massa (abstrato e homogeneizado) e baseada nos
princípios da lucratividade. Poderíamos pensar, a partir do que os autores
indicam, que a indústria cultural venderia mercadorias culturais como pasta de
dentes ou automóveis, e o público receberia esses “produtos” sem saber
diferenciá-los ou sem questionar seu conteúdo. Assim, após uma sinfonia de
Beethoven, uma estação de rádio poderia veicular o anúncio de um restaurante e,
depois dele, noticiar um golpe de Estado ou terremoto, sem nenhuma
profundidade, sem nenhuma discussão. Nesse sentido, é preciso observar como
essa sucessão de música, propaganda e notícia ilustra o caráter fragmentário
dos mdcm, principalmente o rádio e a televisão (esta, por sinal, profundamente
criticada por Adorno). Os meios tecnológicos tornaram possível reproduzir obras
de arte em escala industrial. Para os autores, essa produção em série (por
exemplo, os discos de música clássica, as reproduções de pinturas, a música
erudita como pano de fundo de filmes de cinema) não democratizou a arte.
Simplesmente, banalizou- a, descaracterizou-a, fazendo com que o público
perdesse o senso crítico e se tornasse um consumidor passivo de todas as
mercadorias anunciadas pelos mdcm. Nesse caso, o fato de um operário assobiar,
durante o seu trabalho, um trecho da ópera que ouviu no rádio não significaria
que ele estaria compreendendo a profundidade daquela obra de arte, mas apenas
que ele a memorizou, como faria com qualquer canção sertaneja, romântica, ou
mesmo um
jingle que ouvisse no mesmo
rádio. Para Adorno, a indústria cultural tem como único objetivo a dependência
e a alienação dos homens. Ao maquiar o mundo nos anúncios que veicula, ela
acaba seduzindo as massas para o consumo das mercadorias culturais, a fim de
que elas se esqueçam da exploração que sofrem nas relações de produção. A indústria
cultural estimularia, portanto, o imobilismo. Ao contrário de Adorno e
Horkheimer, Marshall McLuhan (1911-1980) via a atuação dos mdcm de maneira
otimista. Estudando principalmente a televisão, o autor acreditava que ela
poderia aproximar os homens, diminuindo as distâncias não apenas territoriais
como sociais entre eles. O mundo iria transformar- se, então, numa espécie de
“aldeia global”, expressão que acabou ficando clássica entre os teóricos da
comunicação.
O crítico Umberto Eco, por
sua vez, faz uma distinção polêmica entre os autores dedicados ao estudo da
indústria cultural. Segundo ele, esses autores dividem-se entre “apocalípticos”
(aqueles que criticam os meios de comunicação de massa) e “integrados” (aqueles
que os elogiam). Entre os motivos para criticar os mdcm, segundo os
“apocalípticos”, estariam:
· a veiculação que eles
realizam de uma cultura homogênea (que desconsidera diferenças culturais e
padroniza o público);
· o seu desestímulo à
sensibilidade;
· o estímulo publicitário
(criando, junto ao público, novas necessidades de consumo);
· a sua definição como
simples lazer e entretenimento, desestimulando o público a pensar, tornando-o
passivo e conformista.
Nesse sentido, os mdcm
seriam usados para fins de controle e manutenção
da sociedade capitalista.
Entre os motivos para elogiar os mdcm, apontados pelos “integrados”, estariam:
· serem os mdcm a única
fonte de informação possível a uma parcela da população que sempre esteve
distante das informações;
· as informações veiculadas
por eles poderem contribuir para a própria formação intelectual do público;
· a padronização de gosto gerada
por eles funcionar como um elemento unificador das sensibilidades dos
diferentes grupos.
Nesse sentido, os mdcm não
seriam característicos apenas da sociedade capitalista, mas de toda sociedade
democrática. Eco irá criticar as duas concepções. Os “apocalípticos” estariam
equivocados por considerarem a cultura de massa ruim simplesmente por seu
caráter industrial. Para Eco, não se pode ignorar que a sociedade atual é
industrial e que as questões culturais têm que ser pensadas a partir dessa
constatação. Os “integrados”, por sua vez, estariam errados por esquecerem que
normalmente a cultura de massa é produzida por grupos de poder econômico com
fins lucrativos, o que significa a tentativa de manutenção dos interesses
desses grupos através dos próprios mdcm. Além disso, não é pelo fato de
veicular produtos culturais que a cultura de massa deva ser considerada
naturalmente boa, como querem os “integrados”. Eco acredita que não se pode
pensar a sociedade moderna sem os mdcm. Nesse sentido, sua preocupação é descobrir
que tipo de ação cultural deve ser estimulado para que os mdcm realmente
veiculem valores culturais. Nesse sentido, o papel dos intelectuais será
fundamental, pois eles é que irão fiscalizar e exigir que isso aconteça. Outro
autor também ligado à Escola de Frankfurt, mas com uma concepção
diferente do papel da
indústria cultural, é Walter Benjamin (1886-1940).
Para ele, a revolução
tecnológica do final do século XIX e início do século XX não acabou com a
cultura erudita, como pensavam Adorno e Horkheimer, mas alterou o papel da arte
e da cultura. Os mdcm e suas novas formas de produção cultural propiciaram
mudanças na percepção e na assimilação do público consumidor, podendo,
inclusive, gerar novas formas de mobilização e contestação por parte desse
público. Para Benjamin, a possibilidade de reprodução técnica das obras de arte
retirou delas o seu caráter único e mágico (o que ele chama de sua “aura”).
Em compensação,
possibilitou que elas saíssem dos palácios e museus e fossem conhecidas por um
número infinito de pessoas. Por exemplo, a reprodução fotográfica permitiu que
qualquer pessoa pudesse ter em sua sala as clássicas Monalisa e Santa
ceia, de Leonardo da Vinci; a reprodução fonográfica fez com que muito mais
pessoas pudessem escutar (e quantas vezes quisessem) uma sinfonia de Mozart.
O impacto que a indústria
cultural moderna pode provocar no público consumidor não seria, portanto,
necessariamente negativo, podendo, ao contrário, contribuir para a emancipação
desse público e para a melhoria da sociedade, uma vez que ampliaria o seu
horizonte de conhecimento.
Muitos críticos consideram
a visão de Adorno e Horkheimer sobre a indústria cultural conservadora. Segundo
eles, a posição desses autores, ao dizerem que a indústria cultural banalizaria
a cultura erudita (que eles denominavam “alta cultura”), seria de valorizar a
cultura burguesa. E não apenas isso, seria também de depreciar a cultura
popular, que, segundo eles, ficaria ainda mais simplificada no âmbito da
indústria cultural, e a própria capacidade crítica do público, considerado mero
consumidor de mercadorias culturais, produzidas industrialmente.
Essas diferentes visões
sobre a indústria cultural, expostas de maneira simplificada, poderão servir
como elementos para refletirmos sobre a questão da indústria cultural no
Brasil.
Nelson Dácio
Tomazi, Iniciação à Sociologia, São Paulo, Atual, 1993.
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