quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Cultura de massa ou indústria cultural



Entre os autores preocupados em definir a indústria cultural ou cultura de massa e compreender o seu papel na sociedade atual, existem posições diferentes e até opostas. De maneira breve, examinemos algumas visões sobre a questão.  O termo indústria cultural foi criado por Theodor Adorno (1903-1969) e Max Horkheimer (1895-1973), membros de um grupo de filósofos conhecido como Escola de Frankfurt. Ao fazerem a análise da atuação dos meios de comunicação de massa (que a partir de agora serão chamados pela sigla mdcm), esses autores concluíram que eles funcionavam como uma verdadeira indústria de produtos culturais, visando exclusivamente ao consumo. Conforme Adorno, a indústria cultural vende mercadorias, mas, mais do que isso, vende imagens do mundo e faz propaganda deste mundo tal qual ele é e para que ele assim permaneça.

Segundo os dois autores, a indústria cultural pretenderia integrar os consumidores das mercadorias culturais, agindo como uma ponte nociva entre a cultura erudita e a popular. Nociva porque retiraria a seriedade da primeira e a autenticidade da segunda. Adorno e Horkheimer vêem a indústria cultural como qualquer indústria, organizada em função de um público-massa (abstrato e homogeneizado) e baseada nos princípios da lucratividade. Poderíamos pensar, a partir do que os autores indicam, que a indústria cultural venderia mercadorias culturais como pasta de dentes ou automóveis, e o público receberia esses “produtos” sem saber diferenciá-los ou sem questionar seu conteúdo. Assim, após uma sinfonia de Beethoven, uma estação de rádio poderia veicular o anúncio de um restaurante e, depois dele, noticiar um golpe de Estado ou terremoto, sem nenhuma profundidade, sem nenhuma discussão. Nesse sentido, é preciso observar como essa sucessão de música, propaganda e notícia ilustra o caráter fragmentário dos mdcm, principalmente o rádio e a televisão (esta, por sinal, profundamente criticada por Adorno). Os meios tecnológicos tornaram possível reproduzir obras de arte em escala industrial. Para os autores, essa produção em série (por exemplo, os discos de música clássica, as reproduções de pinturas, a música erudita como pano de fundo de filmes de cinema) não democratizou a arte. Simplesmente, banalizou- a, descaracterizou-a, fazendo com que o público perdesse o senso crítico e se tornasse um consumidor passivo de todas as mercadorias anunciadas pelos mdcm. Nesse caso, o fato de um operário assobiar, durante o seu trabalho, um trecho da ópera que ouviu no rádio não significaria que ele estaria compreendendo a profundidade daquela obra de arte, mas apenas que ele a memorizou, como faria com qualquer canção sertaneja, romântica, ou mesmo um

jingle que ouvisse no mesmo rádio. Para Adorno, a indústria cultural tem como único objetivo a dependência e a alienação dos homens. Ao maquiar o mundo nos anúncios que veicula, ela acaba seduzindo as massas para o consumo das mercadorias culturais, a fim de que elas se esqueçam da exploração que sofrem nas relações de produção. A indústria cultural estimularia, portanto, o imobilismo. Ao contrário de Adorno e Horkheimer, Marshall McLuhan (1911-1980) via a atuação dos mdcm de maneira otimista. Estudando principalmente a televisão, o autor acreditava que ela poderia aproximar os homens, diminuindo as distâncias não apenas territoriais como sociais entre eles. O mundo iria transformar- se, então, numa espécie de “aldeia global”, expressão que acabou ficando clássica entre os teóricos da comunicação.

O crítico Umberto Eco, por sua vez, faz uma distinção polêmica entre os autores dedicados ao estudo da indústria cultural. Segundo ele, esses autores dividem-se entre “apocalípticos” (aqueles que criticam os meios de comunicação de massa) e “integrados” (aqueles que os elogiam). Entre os motivos para criticar os mdcm, segundo os “apocalípticos”, estariam:

· a veiculação que eles realizam de uma cultura homogênea (que desconsidera diferenças culturais e padroniza o público);

· o seu desestímulo à sensibilidade;

· o estímulo publicitário (criando, junto ao público, novas necessidades de consumo);



· a sua definição como simples lazer e entretenimento, desestimulando o público a pensar, tornando-o passivo e conformista.

Nesse sentido, os mdcm seriam usados para fins de controle e manutenção

da sociedade capitalista. Entre os motivos para elogiar os mdcm, apontados pelos “integrados”, estariam:

· serem os mdcm a única fonte de informação possível a uma parcela da população que sempre esteve distante das informações;

· as informações veiculadas por eles poderem contribuir para a própria formação intelectual do público;

· a padronização de gosto gerada por eles funcionar como um elemento unificador das sensibilidades dos diferentes grupos.

Nesse sentido, os mdcm não seriam característicos apenas da sociedade capitalista, mas de toda sociedade democrática. Eco irá criticar as duas concepções. Os “apocalípticos” estariam equivocados por considerarem a cultura de massa ruim simplesmente por seu caráter industrial. Para Eco, não se pode ignorar que a sociedade atual é industrial e que as questões culturais têm que ser pensadas a partir dessa constatação. Os “integrados”, por sua vez, estariam errados por esquecerem que normalmente a cultura de massa é produzida por grupos de poder econômico com fins lucrativos, o que significa a tentativa de manutenção dos interesses desses grupos através dos próprios mdcm. Além disso, não é pelo fato de veicular produtos culturais que a cultura de massa deva ser considerada naturalmente boa, como querem os “integrados”. Eco acredita que não se pode pensar a sociedade moderna sem os mdcm. Nesse sentido, sua preocupação é descobrir que tipo de ação cultural deve ser estimulado para que os mdcm realmente veiculem valores culturais. Nesse sentido, o papel dos intelectuais será fundamental, pois eles é que irão fiscalizar e exigir que isso aconteça. Outro autor também ligado à Escola de Frankfurt, mas com uma concepção

diferente do papel da indústria cultural, é Walter Benjamin (1886-1940).

Para ele, a revolução tecnológica do final do século XIX e início do século XX não acabou com a cultura erudita, como pensavam Adorno e Horkheimer, mas alterou o papel da arte e da cultura. Os mdcm e suas novas formas de produção cultural propiciaram mudanças na percepção e na assimilação do público consumidor, podendo, inclusive, gerar novas formas de mobilização e contestação por parte desse público. Para Benjamin, a possibilidade de reprodução técnica das obras de arte retirou delas o seu caráter único e mágico (o que ele chama de sua “aura”).

Em compensação, possibilitou que elas saíssem dos palácios e museus e fossem conhecidas por um número infinito de pessoas. Por exemplo, a reprodução fotográfica permitiu que qualquer pessoa pudesse ter em sua sala as clássicas Monalisa e Santa ceia, de Leonardo da Vinci; a reprodução fonográfica fez com que muito mais pessoas pudessem escutar (e quantas vezes quisessem) uma sinfonia de Mozart.

O impacto que a indústria cultural moderna pode provocar no público consumidor não seria, portanto, necessariamente negativo, podendo, ao contrário, contribuir para a emancipação desse público e para a melhoria da sociedade, uma vez que ampliaria o seu horizonte de conhecimento.

Muitos críticos consideram a visão de Adorno e Horkheimer sobre a indústria cultural conservadora. Segundo eles, a posição desses autores, ao dizerem que a indústria cultural banalizaria a cultura erudita (que eles denominavam “alta cultura”), seria de valorizar a cultura burguesa. E não apenas isso, seria também de depreciar a cultura popular, que, segundo eles, ficaria ainda mais simplificada no âmbito da indústria cultural, e a própria capacidade crítica do público, considerado mero consumidor de mercadorias culturais, produzidas industrialmente.

Essas diferentes visões sobre a indústria cultural, expostas de maneira simplificada, poderão servir como elementos para refletirmos sobre a questão da indústria cultural no Brasil.

Nelson Dácio Tomazi, Iniciação à Sociologia, São Paulo, Atual, 1993.

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