Holgonsi Soares Gonçalves
Siqueira
*Fragmento retirado do 3o
Capítulo (“Sociedade-cultura pós-moderna – “shopping spree” – satisfação na
permanente insatisfação”) da Tese
de Doutorado “Pós-modernidade, Política e Educação”, e
publicado, parcialmente, no Jornal “A Razão” em 27.10.2005
Vários estudiosos da sociedade-cultura
pós-moderna (entre
eles Frederic Jameson, David Harvey, Mike Featherstone, Laslie Sklair, Zygmunt Bauman e Jean Baudrillard), destacam que a característica
da mesma é, antes de tudo, a de ser uma sociedade-cultura de consumo, que reduz
o indivíduo à condição de consumidor como conseqüência da automatização do
sistema de produção. As novas formas referentes ao consumo estão relacionadas
com os meios de comunicação, com a alta tecnologia, com as indústrias da informação (buscando expandir uma
mentalidade consumista, a serviço dos interesses econômicos) e com as maneiras de ser e de ter do homem
pós-moderno.
Tudo está relacionado ao consumo
como, por exemplo, o modo de produção e de circulação dos bens, os padrões de
desigualdade no acesso aos bens materiais e simbólicos, a maneira como se
estruturaram as instituições da vida cotidiana (como a família, o lazer, os
ambientes urbanos, etc.). Nossa sociedade-cultura de consumo constantemente
cria novos espaços para os consumidores, tornando o consumo um sistema globalque molda as relações dos
indivíduos na pós-modernidade e é reconfigurada por tecnologias variáveis que
determinam os padrões de consumo.
Estes aspectos são marcadores
fortes de diferença entre a sociedade-cultura moderna e a pós-moderna, na qual
se torna impossível negar que existe uma dinâmica de consumo diferente, que
entre outras coisas pode ser representada no slogan de Jean
Baudrillard de que “já
não consumimos coisas, mas somente signos”, ao contrário do que afirma Don
Slater que a sociedade-cultura de consumo está ligada à modernidade como um
todo e que, portanto, não existe diferença neste aspecto em relação à
pós-modernidade.
A sociedade-cultura de consumo
pós-moderna está associada à complexidade humana, ou seja, envolve seus
valores, desejos, hábitos, gostos e necessidades numa escala extremamente
intensificada. No contexto pós-moderno, a estetização da vida cotidiana e o
triunfo do signo retratam a subordinação da produção ao consumo sob a forma de
marketing, com uma ascensão cada vez maior do conceito de produto, do design e
da publicidade.
No contexto pós-moderno, a
pluralidade de consumidores é considerada através de um processo governado pelo
jogo da imagem, do estilo, do desejo e dos signos e distribui-lhes estilos de vida de acordo com os critérios de mercado. De acordo com Anthony
Giddens, é essa
mercantilização do consumo o fenômeno essencialmente novo; participa
diretamente dos processos da contínua reformulação das condições da vida
cotidiana; é geradora da chamada "experiência mercantilizada"
da vida e estimula o crescimento econômico ao estabelecer padrões regulares de
consumo promovidos pela propaganda e outros métodos; também força as pessoas a
lidarem com a descartabilidade, com a novidade e as perspectivas de
obsolescência instantânea.
Assim como resultado da produção
existe uma "lógica do capital", nesta sociedade-cultura
pós-moderna existe uma "lógica do consumo", estruturada em
torno do simulacro, do hedonismo, da colagem, do "tudo
vale", da efemeridade, etc. Nesta lógica consumista, tudo é feito no
sentido de atrair o consumidor; as imagens desempenham um papel importante,
sendo constantemente veiculadas pela mídia; os códigos são misturados
ecleticamente e os significantes não possuem sentido, pois não apresentam
relação alguma.
Para Frederic Jameson, a
desconexão entre os significantes, a sobrecarga sensorial e a liquefação de
signos e imagens da sociedade-cultura pós-moderna resultam em uma cultura “sem
profundidade”, na qual se acaba a distinção entre alta-cultura e cultura de
massa, equivalendo-se em valor, por exemplo, a cultura de painéis luminosos de
casas/centros comerciais com a alta-cultura “séria” (filosofia, arte, romance,
ópera...). Assim, palavras, imagens e néon misturam-se aleatoriamente em
grandes letreiros, produzindo uma paisagem hedonista que faz com que na cidade
contemporânea tenhamos consumo de espetáculos, espetáculos de consumo, consumo de
signos, signos de consumo. Isto embaça as distinções entre comércio e cultura e
caracteriza a cidade
pós-moderna como um
sistema utilitarista de produção e consumo.
Nesta cultura pós-moderna sem
profundidade, a arte e a realidade trocaram de lugar numa "alucinação
estética do real"; tudo, do mais banal ao mais marginal, estetizou-se,
e desta maneira transforma-se a insignificância do mundo atual. No momento em
que tudo é estetizado, que a vida nas grandes cidades tornou-se estetizada, os
indivíduos são bombardeados por imagens e objetos descontextualizados, mas que
evocam sonhos e desejos para um consumo desenfreado cujo resultado é o aumento
indefinido dos lucros no capitalismo
tardio.
É na sociedade-cultura
capitalista tardia que o signo e a mercadoria juntaram-se para produzir o que
Jean Baudrillard chama de "mercadoria-signo", ou seja, a
incorporação de uma vasta gama de associações imagéticas e simbólicas, que
podem ou não ter relação com o produto a ser vendido, processo este que recobre
o valor de uso inicial dos produtos e torna as imagens mercadorias. O valor
destas imagens confunde os valores de uso e troca, e a substância é suplantada
pela aparência. Na “época do signo”, produz-se, simultaneamente, a
mercadoria como signo e o signo como mercadoria. Para Jean Baudrillard, a
transformação da mercadoria em signo foi o destino do capitalismo no século XX.
Isso levou Mike Featherstone a
afirmar que "o consumo, não deve ser compreendido apenas como consumo
de valores de uso, de utilidades materiais, mas primordialmente com o consumo
de signos", o que é muito bem explorado pela publicidade, pela mídia e
pelas técnicas de exposição, quando estas fixam nos produtos (desde automóveis,
eletrodomésticos e bebidas, até uma simples caneta) imagens de beleza, sedução,
auto-realização, romance e até mesmo de qualidade de vida, desestabilizando a
noção original e tornando as mercadorias verdadeiras ilusões culturais, que
fascinam o consumidor pós-moderno pela sua estética, pelas associações
mirabolantes com os signos e pelas justaposições entre elas. Justifica-se então
o privilégio dado pelo capitalismo pós-moderno à produção de signos e imagens,
ao invés das próprias mercadorias.
Este é o "mundo do
"faz-de-conta" da publicidade" (Mike Featherstone) que domina
a sociedade-cultura de consumo pós-moderna e evidencia sua característica
principal que é apresentar um grande número de bens, mercadorias, experiências,
imagens e signos novos para que o homem pós-moderno deseje e consuma. Para
David Harvey, a publicidade "é a arte oficial do capitalismo; traz para
a arte estratégias publicitárias e introduz a arte nessas mesmas
estratégias", tendo, portanto, juntamente com as imagens da mídia uma
grande importância na dinâmica de crescimento do capitalismo tardio, através da
manipulação dos desejos e gostos. Esta dinâmica está totalmente vinculada à
capacidade de rapidez do mercado em explorar novas possibilidades e na sua
rapidez em apresentar novos produtos, criar novas necessidades e novos desejos.
Como conseqüência da velocidade
do tempo de vida dos produtos/serviços e, logo do consumo, temos a volatilidade e efemeridade de modas, técnicas de produção,
processos de trabalho, idéias e valores; e no campo específico das mercadorias,
a ênfase nos valores e virtudes da instantaneidade e da descartabilidade. Ao
contrário da “economia da permanência” na modernidade, temos agora a
configuração de uma “economia da transitoriedade” que parte do princípio de que é
economicamente racional construir objetos baratos, que não podem ser
consertados e que sejam descartáveis, ainda que eles possam durar menos. Este é
um princípio impulsionador do consumo, que leva os indivíduos a uma ligação por
períodos muito curtos com uma sucessão de objetos, os quais, em uma estratégia
de lucro, vão se tornando obsoletos.
Ao forçar as pessoas a lidarem
com a descartabilidade, com a novidade e as perspectivas de obsolescência
instantânea, a cultura de consumo pós-moderna faz com que o indivíduo perca sua
capacidade de organizar coerentemente seu passado e seu futuro, a vida deixa de
ser um projeto com um significado, e suas práticas resultam numa
heterogeneidade que se desenrola numa série de fragmentações do tempo
vivido como presente perpétuo.
Como o esquizofrênico, o
indivíduo pós-moderno enfoca determinadas experiências e imagens desconectadas,
isoladas, e que não se articulam em seqüências coerentes, sendo este enfoque
feito com intensa imersão e imediatismo. Isto quer dizer que o tempo e a história
não constituem mais uma lógica compreendendo processos e relações sociais
reais; a história reduz-se a significantes (estilos, referências, imagens,
objetos) que podem circular independentemente de seus contextos originais.
Neste quadro, a posição dos indivíduos pode ser assim caracterizada: "apatia
em relação ao passado; renúncia sobre o futuro e uma determinação de viver um
dia de cada vez" (Anthony Giddens).
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