quinta-feira, 15 de setembro de 2011

"A NOVA CONCEPÇÃO DE TRABALHO"*


"A NOVA CONCEPÇÃO DE TRABALHO"*

Holgonsi Soares Gonçalves Siqueira

*Publicado no Jornal "A Razão" em 01/05/2003

Este artigo serviu de base para a proposta de produção de texto, da prova de Língua Portuguesa e Literatura do vestibular da PUC-Minas Gerais - 2º sem 2007 - leia, no final deste artigo, a questão proposta

"Os métodos de trabalho estão indissoluvelmente ligados a um determinado modo de viver, de pensar e de sentir a vida" (A.Gramsci).

Entre as grandes transformações resultantes do advento da sociedade informacional, temos a reconceitualização do trabalho humano. Desde a Grécia Antiga, passando pela Idade Média, na visão dos protestantes, dos economistas clássicos ou no entendimento crítico de Hegel e Marx, o conceito/entendimento de trabalho tem sofrido profundas alterações, as quais expressam as mudanças econômicas e as formas de produção próprias de cada contexto. Tomando-se como base a concepção fordista-taylorista responsável pela organização científica do trabalho, temos a característica que mais contrasta com a forma atual de conceber o trabalho, ou seja, a desvalorização do conhecimento e do saber desenvolvido com a formação e a experiência. De acordo com Gramsci, "a qualificação (aqui) é medida a partir do desinteresse do trabalhador, da sua "macanização""; esta concepção reduzia as operações produtivas apenas ao aspecto físico maquinal, negando a participação ativa da inteligência, da fantasia e da iniciativa do trabalhador.

Neste paradigma, o controle, a prescrição e a limitação dos movimentos, praticamente anulavam a importância do "saber-fazer" dos trabalhadores, ignorando com isso a capacidade que os mesmos possuíam no sentido de aperfeiçoar os sistemas técnico-organizacionais. Sobre isto, o exemplo dos amanuenses dado por Gramsci para ilustrar essa situação sobre o taylorismo e a mecanização do trabalhador, é bastante interessante. Segundo ele, para os amanuenses a adaptação à mecanização seria bem mais difícil do que para outro trabalhador, pois os mesmos teriam que ignorar ou não refletir sobre o conteúdo intelectual do texto que estavam reproduzindo para evitar que interferissem e modificassem o texto.

Porém, a nova organização flexível do trabalho coloca em questão esses pressupostos tradicionais. Na era das novas tecnologias de comunicação e informação, o conteúdo qualitativo do trabalho passa a ser privilegiado, transformando-se, assim, sua concepção. O trabalho passa a ser uma série de aplicações de conhecimentos, onde os indivíduos voltam suas capacidades para a programação e o controle, e isto traz como exigência se pensar a formação dos indivíduos para o trabalho com base em pressupostos pós-fordistas, sob os quais novas habilidades estão sendo demandadas. Temos hoje um aumento das exigências de aptidões para o trabalho, considerando-se uma base de conhecimentos mais amplos, exigência de capacidade para resolução de problemas, exigência para tomada de decisões autônomas, capacidade de abstração e comunicação escrita e verbal. Somando-se a isto, o trabalhador deve ser polivalente, e com maior nível de escolaridade. Polivalente no sentido de multiqualificado, isto é, aquele que é capaz de desenvolver e incorporar diferentes competências e repertórios profissionais.


As novas competências, tendo em seu centro a dimensão reflexiva superam a estreiteza das habilidades manuais, colocam-se sobre a clássica noção de qualificação e constituem-se na profunda transformação da natureza do trabalho, que passa a ser definido em termos de "mobilização de competências". Ao se combinarem com o conhecimento e a inteligência organizada, as competências e os saberes pós-modernos emergem como um "novo fator de produção" (Galbraith) sobre o qual se desloca o poder que era detido pelo capital.

Mas o modelo das competências está longe de ser atendido pela maioria dos trabalhadores, os quais ao não responderem suas exigências tornam-se desempregados ou inserem-se em novas formas precárias de trabalho. Some-se a isto uma outra grande parcela desprovida totalmente das condições mínimas para o trabalho, e para os quais a impossibilidade de fazerem parte do novo mundo do trabalho é estrutural e permanente. De acordo com a Organização Internacional do Trabalho, mais de 700 milhões de pessoas estão desempregadas ou parcialmente empregadas, constituindo-se isto num dos maiores problemas sociológicos da pós-modernidade. Estes são o que S. Lash chamou de "perdedores da reflexividade", pois excluídos do trabalho nas, para e com as estruturas de informação e comunicação, grande parte deste número encontra-se na posição do que está sendo conhecido como "subclasse". Como diz B. Santos, "o aumento do desemprego estrutural conduz à passagem dos trabalhadores de um estatuto de cidadania para um estatuto de lumpencidadania", tratando-se muitas vezes de uma situação permanente.

Devemos reconhecer que o novo padrão tecnológico e produtivo internacional é contraditório por excelência. De um lado, abre novas possibilidades, valorizando significativamente a formação e o reconhecimento dos saberes dos trabalhadores. As novas exigências do modelo de competência, assim como a quebra da rigidez hierárquica com relações mais horizontalizadas entre os trabalhadores, repercutem positivamente na autonomia dos indivíduos e possibilitam maiores capacidades cooperativas. Este novo padrão tecnológico, possibilita também o surgimento de uma "(nova) nova classe média" , que para S. Lash é uma classe média expandida, ou, transformada, e trabalhando dentro das estruturas de comunicação e informação, tem o privilégio de trabalhar especialmente com o processamento de informações, "e este trabalho não está mais subsumido às necessidades da acumulação industrial" (S. Lash), o que quer dizer que o novo trabalhador opera com regras e finalidades diversas da do capital, estando liberado inclusive à experimentações para fazer a economia funcionar de maneiras diferentes.

De outro lado, "fatos da desindustrialização e da transferência geográfica de fábricas, a flexibilidade dos mercados de trabalho, da automoção e da inovação de produtos olham a maioria dos trabalhadores de frente" (D.Harvey). Este "olhar de frente" representa relações que acentuam a insegurança, ampliam a desigualdade e a exclusão social. Isto gera uma ansiedade permanente nos indivíduos, quer pela incerteza da permanência no trabalho ou pela constante procura do mesmo. Já as diferenciações geográficas representam movimentos de "destaylorização" em alguns pontos seguidos de um "neofordismo" (ou como Lipietz chama, "fordismo periférico") em outros. Práticas de trabalho mais flexíveis são incorporadas nas empresas, quando os trabalhadores não estão preparados para enfrentá-las.

Portanto a qualificação profissional constitui-se hoje numa forma indispensável para transformar o trabalho numa esfera de inclusão, sendo assim um direito de cidadania. Embora o aumento do grau de qualificação médio da força de trabalho seja a tendência desta fase do capitalismo global, no Brasil, por exemplo, a estrutura ocupacional ainda é bastante estratificada e, com uma grande parcela, composta por trabalhadores pouco qualificados e instruídos, o que dificulta o crescimento dos "ganhadores da reflexividade", e favorece o aumento dos perdedores.

Isto depende de ações do Estado, de um novo papel dos sindicatos, da atuação constante dos novos movimentos sociais, e principalmente de um novo tipo de educação, o qual venho chamando de educação pós-moderna crítica, e que entende que a instrumentalização dos indivíduos para o exercício da cidadania passa não só pelas formações política e sociocultural, mas também pela formação para o trabalho. Ou dito de outra forma, a preocupação com a formação para o trabalho num processo educacional pós-moderno crítico, diz respeito não só ao aspecto técnico, mas também ao político e ao sociocultural, ou seja, tendo o trabalho como ponto de partida, busca-se aquilo que Gramsci denominou "formação omnilateral do homem", sendo esta a maior possibilidade para o exercício efetivo da cidadania na sociedade pós-moderna.

Num momento em que as escolas e as universidades estão repensando seus projetos políticos pedagógicos, a nova concepção de trabalho e as categorias envolvidas na mesma são centrais nas reorganizações desses projetos. Assim como Gramsci destacou princípios educativos no fordismo, precisamos estar atentos ao novo fulcro pedagógico que surge das contradições produtivas do pós-fordismo no trabalho, e se estende para as maneiras do homem pós-moderno viver, pensar e sentir a sua vida.


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